De todas as complicações que corredores costumam enfrentar, o calor é provavelmente o fantasma número 1. Não à toa. O calorão do verão não faz apenas com que os atletas se sintam como se estivessem cozinhando sob o sol. Ele também afeta a performance. Em condições normais, a temperatura do corpo é mantida dentro de um limite bem estreito, entre 36,5ºC e 37,5ºC. Em situações extremas de frio e calor, por exemplo, durante uma atividade física intensa e prolongada ou como resultado de alguma doença, a temperatura pode subir ou cair.
“Nosso organismo é capaz de tolerar uma queda na temperatura interna de até 10ºC, mas não consegue suportar elevações maiores que 5ºC. Acima disso, vários órgãos são afetados, pode haver desmaios e, o que é pior, até morte”, diz Carlos Eduardo Camargo Cunha, da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício.
A hipertermia, ou insolação, uma das condições mais perigosas para quem malha pesado sob o sol, é resultado de um resfriamento inadequado do corpo. Lawrence Armstrong, do Laboratório de Performance Humana da Universidade de Connecticut, EUA, aponta que os corredores produzem calor durante o exercício e que, se ele não for removido do corpo, pode se acumular em órgãos e atingir níveis perigosos. “Mas, quando a umidade relativa do ar está alta, acima de 70%, a evaporação cai, prejudicando o mecanismo usado pelo corpo para regular a temperatura corpórea”, alerta.
Ricardo Curi, membro da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, afirma que o aumento da temperatura corporal leva o hipotálamo, uma espécie de termostato do corpo, a ficar mais ativo. “Ele faz a transpiração crescer para que o corpo resfrie.” A dissipação do calor para o ar ocorre pela evaporação do suor e pelo aumento do fluxo sanguíneo para a pele. Daí ficarmos corados.
Quanto menos condicionada a pessoa estiver, mais rápido os sintomas de hipertermia aparecerão. Por isso, se você está há tempos sem se exercitar, não invente de dar uma corridinha quando o sol estiver a pleno vapor.
Outra complicação é que, durante a corrida, os músculos exigem mais oxigênio. Resultado: todo o sangue é dirigido para lá, em vez de para a pele. “É uma espécie de batalha dentro do corpo. Para que o corredor consiga manter um certo ritmo, o sangue deve nutrir a musculatura de oxigênio. Devido a isso, menos sangue segue para a pele para resfriar o corpo. Por outro lado, para não deixar o organismo superaquecer, mais sangue deve se dirigir para a pele para ser resfriado, o que significa que menos oxigênio chegará aos músculos e, como consequência, o atleta não conseguirá manter o ritmo e será forçado a desacelerar”, explica Douglas Casa, também da Universidade de Connecticut.
Cunha alerta que a temperatura ideal para se exercitar gira em torno de 21ºC a 24ºC e a umidade relativa do ar, entre 60% e 70%. “Fazer exercício com a umidade muito baixa também não é bom. Aumentam os problemas respiratórios, quem tem asma piora etc”.
O médico conta que, a cada minuto de atividade física embaixo do sol, a temperatura do organismo aumenta 1ºC. “É por isso que o nosso sistema de refrigeração corporal, o suor, tem de estar trabalhando bem. Se a temperatura interna passar dos 40ºC, já começa a haver desconforto e o corpo começa a pedir para parar.”
É preciso aclimatar
Poucos talvez saibam, mas o corpo precisa ser aclimatado ao calor, assim como a altas altitudes. A aclimatação o prepara para render em temperaturas e umidade elevadas sem hiperaquecer. Segundo Carlos Eduardo Camargo Cunha, o organismo precisa de cerca de 15 dias se exercitando no calor para se ajustar a essa condição. “Nos primeiros dias, a atividade física deve ser realizada em uma intensidade mais baixa e, progressivamente, deve-se ir aumentando o esforço”, diz ele.
Uma vez habituado, a quantidade de suor produzida e de líquidos perdidos aumenta e a perda de potássio cai. “A aclimatação ao calor é a ferramenta número 1 para aumentar a capacidade de o organismo suportar exercícios em altas temperaturas. Ela requer uma adaptação gradual ao estresse associado com o exercício no calor. Também é importante estar bem condicionado antes de a temporada de calor começar, assim como ter um plano proativo de hidratação”, explica Douglas Casa, do Laboratório de Performance Humana da Universidade de Connecticut, EUA. Armstrong garante que hidratar-se adequadamente é capaz de evitar a maior parte dos distúrbios causados pelo calor. “O consumo adequado, mas não excessivo, de água e de fluidos, não só reduz o risco de um mal desempenho na prova, mas também de exaustão pelo calor e de cãibras. De todas as condições causadas pela alta temperatura, a exaustão, ou seja, a incapacidade de manter o exercício no calor, é a mais comum”, esclarece. Um alerta. “De todos os que fazem algum esporte, os corredores são os mais teimosos. Se eles começarem a sentir os efeitos do calor, precisam reduzir o ritmo e a intensidade. Só assim completarão a prova com segurança e saúde”, avisa Casa.
Cãibras: são espasmos dolorosos de grandes grupamentos musculares e podem ser causados ou não pelo calor. “Entre atletas, as cãibras são causadas pela exaustão muscular, luxação ou deficiência de sal. Esportistas que sempre são acometidos por esse problema, que suam muito ou que chegam a produzir uma camada de sal na pele ou na roupa devem repor o sal que perdem por meio da dieta, aumentando o consumo do composto. A maior parte das bebidas esportivas só fornece uma pequena fração da quantidade diária recomendada – 5% , por isso, quem pratica atividade física não deveria se fiar apenas nelas, explica Lawrence Armstrong.
Exaustão pelo calor: é a incapacidade de continuar o exercício no calor. Pode ser seguida de desmaios, confusão mental e/ou aumento da temperatura do corpo, mas nunca além de 40ºC. Ao perceber que a temperatura está subindo, o cérebro manda mensagens de fadiga para que o exercício seja interrompido. O tratamento é simples. Basta parar de se exercitar e repousar.
Hipotensão postural
Pós-esforço: ocorre devido à suspensão brusca do exercício, por exemplo, no meio de uma corrida de longa distância no calor. Nessa situação, o atleta está com uma vasodilação periférica intensa. A interrupção provoca uma dimunuição da pressão no átrio direito. O corredor pode ter uma síncope. O tratamento é manter o esportista em decúbito dorsal com os quadris e membros inferiores acima do restante do corpo.
Colapso pelo calor: é o mais grave distúrbio causado pelas altas temperaturas e alta umidade. É resultado de uma falha dos mecanismos de regulação térmica do organismo: a taxa de produção de calor supera a da perda. “Envolve o aumento da temperatura do corpo acima de 40ºC e é considerado emergência médica”, diz Armstrong. Os sintomas são delírio, convulsão, comportamento psicótico e coma. Se não tratado a tempo, pode levar a morte. O atleta deve ser resfriado rapidamente com gelo no pescoço, axilas e virilhas ou mergulhado em uma banheira com gelo e levado ao hospital. De acordo com o pesquisador, corredores que não se aclimataram, têm alguma doença preexistente, especialmente as que envolvem febre, vômito ou diarreia, não dormem ou se alimentam direito e usam excesso de roupas são os que mais têm chance de terem colapso pelo calor.