Por Carlos Amoedo
Noite é feita para descansar, dia é feito para se exercitar. Você deve ouvir algo parecido quando o assunto é o melhor período para correr. Para o empresário Rodrigo Gharib, de 26 anos, isso não faz sentido. Há um ano, ele corre quatro vezes na semana, sempre à noite e sem qualquer problema. “Trabalho entre 8 horas 18 horas. Portanto, só consigo treinar mais tarde, depois do expediente e da musculação, que pratico diariamente. Já tentei acordar mais cedo para correr antes do trabalho. Mas desisti. Sou do tipo de pessoa que não funciona nas primeiras horas da manhã. Eu me sinto mais disposto à noite”, conta o rapaz.
Sob o ponto de vista fisiológico, Rodrigo parece ser exceção, já que o normal é o corpo não se sentir estimulado ao anoitecer. Quando os olhos captam a baixa luminosidade ao cair da noite, a glândula pineal, localizada no cérebro, começa a produzir melatonina, substância que regula o ciclo do sono, chamado de circadiano. É ela, portanto, que faz com que você durma.
Se você não respeita essa tendência natural do organismo, quebrando esse ciclo ao impedir que o sono tome conta do corpo, é provável que não haja descanso e, assim, seu rendimento caia. “Interromper o ritmo circadiano por vários motivos, inclusive correndo tarde da noite, quando o organismo está regulado para repousar, pode prejudicar a recuperação pós-treino e, com isso, comprometer o treinamento como um todo”, diz Renato Dutra, treinador de corrida e diretor técnico da Run & Fun, consultoria esportiva de São Paulo.
Ao contrário do que acontece com Rodrigo, que corre entre 6k e 9k no período noturno como preparação para a sua primeira meia maratona, e não tem nenhum problema para dormir, o estímulo produzido pela atividade física pode, de fato, prejudicar a recuperação, segundo alguns estudos.
O que fazer, então, se você está no time de corredores que não têm outro horário para treinar a não ser o período noturno?
Perdas e ganhos
Segundo o também treinador de corrida Marcos Paulo Reis, diretor da assessoria esportiva de mesmo nome, em São Paulo, o horário adequado para correr é aquele em que você consegue fazer isso. Se você pode correr à noite, por exemplo, então não há alternativa. Mesmo sabendo que esse período não é o mais recomendado, já que coloca o corpo em alerta, prejudicando o descanso que deveria acontecer e, em alguns casos, provoca também insônia. “O importante é você incorporar o treinamento em sua rotina de alguma forma. Melhor correr à noite do que ficar parado.”, diz ele. De fato, quem pratica corrida, seja a hora que for, colhe muito mais benefícios do que um sedentário, por exemplo, sujeito a problemas cardíacos ou à obesidade.
Uma receita simples para minimizar os efeitos prejudiciais da corrida noturna sobre o corpo é descansar pelo menos 20 min no horário do almoço. Se possível, tirar um cochilo. “Não resolve, mas ajuda, pois é uma forma de dar um pouco mais de chance para o organismo se reorganizar e recuperar”, diz Renato Dutra. Para ele, o ideal seria correr até às 18 horas. “Assim, o treino é finalizado entre 19 horas e 19h30, dando tempo para o organismo se preparar para o repouso.”
Se o objetivo é respeitar fielmente o ciclo circardiano e ter melhor rendimento na corrida, é mais indicado treinar à tarde. “Nesse período há um aumento de hormônios fundamentais para o bom rendimento e que permitem melhor recuperação pós-treino, como o cortisol, o GH e a testosterona”, diz Marcos Paulo. “O único ponto negativo é que, nas grandes cidades, há mais concentração de poluentes à tarde, principalmente no final dela.”
E o que dizer, então, daqueles que madrugam para correr? Se você teve uma boa noite de sono, de pelo menos sete horas, isso é até uma vantagem. “Além de dar maior disposição para enfrentar o dia que está por vir, a corrida praticada bem cedo ajuda a emagrecer por provocar a aceleração do metabolismo, até então lento devido ao período de sono, já que é necessário produzir energia a partir de então”, diz Thiago Cardoso, treinador e diretor da Next Run, assessoria esportiva de Brasília (DF). Outra vantagem em correr cedinho: a temperatura está amena, o que ajuda no bom rendimento e é mais confortável no verão.
O administrador de empresas Luciano Ribeiro, de 36 anos, é um desses corredores madrugadores. Ele, que corre diariamente há quase 20 anos e tem três maratonas no currículo, costuma treinar pouco depois das 5 horas. Ao contrário de Rodrigo, o administrador não tem a mínima disposição para correr à noite. “Chego ao trabalho antes das 8 horas e não tenho horário para sair. E, de vez em quando, dou aulas após o expediente. Portanto, não me sinto disposto para treinar depois. Prefiro fazer isso bem cedo”, diz ele. “Mantendo essa rotina, meu dia é tranquilo, não sinto cansaço. O meu único erro é não dormir pelo menos sete horas por noite”, conclui.
Comer para correr
Quem corre à noite ou bem cedo também deve ficar atento à alimentação. A regra é simples quando se pratica uma atividade física, inclusive corrida em horários alternativos: a refeição antes do treino deve ser feita com 20 min ou 30 min de antecedência. Os alimentos mais indicados são os que fornecem carboidrato, nutriente que se converte em glicose e, na sequência, em energia para o músculo.
As melhores opções são frutas, cereais, torradas e pão. Deve-se evitar o consumo de proteína (leite, queijos, carnes em geral), gordura e excesso de fibra, já que esses nutrientes dificultam um pouco a digestão, prolongando o tempo de liberação de energia. Fibras em excesso podem, ainda, atrapalhar sua corrida por estimularem o funcionamento do intestino.
Como a vida não é perfeita, é provável que você, que cai da cama cedo pra correr, não tenha tempo ou disposição para madrugar, ainda mais a fim de seguir a cartilha da boa alimentação antes do treino. Sem contar que nem todos os apetites estão aguçados nas primeiras horas da manhã. “Nesses casos, é recomendado comer pelo menos uma fruta ou usar um suplemento de carboidrato, como a maltodextrina, que garante o aporte de energia sem pesar no estômago”, diz o doutor Thiago Volpi, clínico geral e nutrólogo do Espaço Volpi, de São Paulo.
Após a corrida, o ideal é alimentar-se quase na sequência para otimizar a recuperação dos estoques de energia do organismo, inclusive da musculatura. Líquidos, alimentos ricos em carboiratos, como pão integral, e proteínas, caso do leite e derivados (iogurte e queijo) são bem-vindos. Esses alimentos podem perfeitamente compor um café da manhã para corredores madrugadores. Mas se você corre à noite, as coisas não são tão simples.
Barriga cheia demais também costuma atrapalhar o sono. Ainda mais considerando que o seu descanso já pode estar comprometido por conta do horário de sua corrida. “Corredores noturnos devem fazer um lanche uma hora antes do treino. Por exemplo: tomar um iogurte com cereal e quinoa, que apresenta boa composição de carboidratos e proteína. E, após a corrida, optar por um filé de peixe e alguma raiz de índice glicêmico baixo, como a batata-doce, que aumenta a produção de serotonina, neurotransmissor cerebral que favorece o sono”, diz o doutor Thiago. Ainda segundo o médico, para não prejudicar o descanso, convém evitar carnes vermelhas à noite. Pelo tipo de proteína que contém, esse alimento dificulta a digestão e, consequentemente, o relaxamento do organismo.
De qualquer forma, fique sabendo que independentemente do período de corrida escolhido, o corpo se adapta dentro da medida do possível. Mas não espere mudanças rápidas. Ele precisa de cerca de um mês para se acostumar. Isso vale para qualquer modificação que você faça no treinamento de corrida. Inclusive no horário do treino.
Na dúvida sobre o melhor período para correr, “ouça” seu corpo. Se você se sente bem correndo cedinho ou tarde da noite, não há estudo ou teoria fortes o suficiente para que haja uma mudança na sua rotina. Veja o exemplo do empresário Rodrigo. “Eu sempre tive problemas de insônia. Mas depois que resolvi seguir o meu relógio biológico e passei a treinar à noite, esse problema melhorou. Antes, eu não conseguia dormir antes das 2 horas da manhã. Agora, vou pra cama mais cedo, consigo pegar no sono e descansar”, diz ele.
Suplementos ajudam?
No geral, se você corre menos de uma hora, tudo o que o seu corpo precisa durante a corrida é de água. Mesmo nos chamados horários alternativos: à noite ou bem cedo. Mas, dependendo do desgaste e, consequentemente, da necessidade de recuperação, suplementos à base de aminoácidos como BCAA, de carboidratos de rápida absorção e whey protein, antes e depois do treino, podem ajudar no ganho de rendimento. Há, no entanto, um suplemento que deve ser evitado ou usado com moderação por quem corre à noite: os termogênicos.
Tendo a cafeína como carro-chefe, esses produtos são aliados daqueles que buscam disposição para a prática da atividade física, já que agem no sistema nervoso, estimulando o organismo. Porém, cafeína em excesso, principalmente à noite, também prejudica o sono. “Os efeitos dela dependem muito da sensibilidade de cada indivíduo à quantidade de produto consumida. Se for até 2 mg por quilo de peso corporal, considerada uma quantidade moderada, a tendência é melhorar o rendimento sem interferir no descanso”, diz Volpi.
Já os suplementos de melatonina, que também atuam no cérebro, mas de maneira inversa, ajudam a melhorar a qualidade do sono. Não sem motivo são indicados em alguns casos de insônia. O problema é que a comercialização de tais produtos, liberados em vários países, não é regulamentada no Brasil. Portanto, a sua aquisição é complicada.