A introdução de produtos saudáveis nas cantinas, assim como a redução da oferta de produtos não saudáveis, contribuem para o aumento do consumo de bebidas e alimentos com elevado valor nutricional. É o que indica a pesquisa “Oferta e Consumo de Bebidas e Alimentos nas Cantinas de Escolas Privadas no Brasil”. Fruto de parceria entre o Center for Behavioral Research (CBR) da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE) e a empresa Nutrebem, o estudo acaba de ser publicado na revista científica Preventive Medicine, especializada em prevenção de doenças, promoção de hábitos saudáveis e políticas de saúde pública.
Obesidade e sobrepeso em crianças e adolescentes crescem a cada ano em países latino-americanos. Sem uma estratégia de prevenção e reversão adequadas, espera-se que, em 2030, 22,8% das crianças e 15,7% dos adolescentes brasileiros sofram de obesidade. Estudos sobre alimentação de crianças e adolescentes revelam consistentemente o importante papel das escolas para o desenvolvimento de hábitos saudáveis e, como consequência, para a melhora da saúde geral dos alunos.
Com isso em mente, os pesquisadores do Center for Behavioral Research da FGV EBAPE, Bernardo Andretti, Rafael Goldszmidt e Eduardo Andrade, analisaram a relação entre a mudança na oferta de produtos nas cantinas escolares com o padrão de compras futuras de crianças e adolescentes. Os resultados mostraram que a introdução de um produto saudável (de alto valor nutricional) no menu das cantinas aumenta em média, por aluno, o consumo de 3,7% de produtos saudáveis por mês. Já a redução da oferta de um produto não saudável (baixo valor nutricional) aumenta em média, por aluno, 0,6% do consumo de produtos saudáveis por mês.
“Esses resultados sugerem que mudanças no cardápio podem envolver não somente a inclusão de produtos de alto valor nutricional, mas também a exclusão de produtos de baixo valor nutricional, pois ambos têm o potencial de promover hábitos de consumo mais saudáveis”, explicou Rafael Goldszmidt.
Pode-se observar também que as associações entre os cardápios das cantinas e o consumo das crianças e adolescentes é mais forte na categoria de bebidas, resultado do efeito de “substituição”. Por exemplo, a inclusão de uma bebida saudável no cardápio está não somente associada a um subsequente aumento do consumo de bebidas saudáveis, mas também a uma subsequente redução do consumo de bebidas de baixo valor nutricional.
“De maneira geral, nossos resultados podem ser vistos como um copo meio cheio ou meio vazio,” avaliou Eduardo B. Andrade. A parte vazia representa a baixa qualidade nutricional das ofertas nas cantinas. A parte cheia está no fato de que alterações no cardápio, como já promovidas por algumas escolas, podem alterar positivamente os hábitos alimentares de alunos matriculados nas escolas privadas no Brasil.
A pesquisa avaliou por três anos os padrões de oferta e consumo em cantinas de 54 escolas privadas no Brasil. Em uma parceria com a Nutrebem, empresa responsável pelo sistema de vendas nas cantinas dessas escolas, observou-se o comportamento de mais de 20 mil crianças e adolescentes, contabilizando mais de quatro milhões de compras. Segundo o levantamento, 60% dos produtos oferecidos são alimentos e bebidas de baixo valor nutricional. Ao mesmo tempo, a presença de alimentos e bebidas de elevado valor nutricional ainda é tímida: não chega a 12% a oferta nas cantinas e a 10% os gastos com alimentos e bebidas de alto valor nutricional.
Nesse contexto, Bernardo Andretti salientou que dez das 27 unidades da federação possuem alguma lei ou regulação de cantinas escolares, que, em geral, demonstram pouca adesão, fiscalização e controle. Ele observou que a regulação nacional de 2006 (Portaria Interministerial nº 1.010, de 8 de maio de 2006) estabelece regras para a alimentação em escolas públicas e privadas, mas também sem a aderência e fiscalização necessárias.
Andretti assinalou, ainda, que há uma lei sendo tramitada no Senado (Lei 4501/2020) que abrange escolas públicas e privadas e dispõe sobre a comercialização, propaganda, publicidade e promoção de alimentos e bebidas ultraprocessados, além do uso de frituras e gorduras trans em âmbito nacional. “Nosso estudo, assim como a literatura nacional e internacional sobre o assunto, sugere que, em linhas gerais, se bem implementada e fiscalizada, essa lei pode representar uma promissora política pública”, conclui.
Apesar da fraca fiscalização de cantinas escolares, os pesquisadores salientam a importância de que pais, crianças, adolescentes e gerentes de cantinas escolares contribuam para a melhoria da alimentação nas escolas. É fundamental que a conscientização de gerentes das cantinas e a educação alimentar promovida por pais e escolas andem juntas, de modo que crianças e adolescentes sejam estimulados e induzidos a uma melhor alimentação não só dentro como fora do ambiente escolar.