Quando comecei a correr, usávamos somente um cronômetro para marcar ritmo e tempo total de treino. E o treino dava certo, ou seja, as pessoas treinavam e conseguiam correr as provas e baixar seus tempos. Depois veio o walkman. Era um trambolho, mas já dava para escutar música correndo. E aí surgiu o monitor de frequência cardíaca. Tive o primeiro modelo, com um visor gigante e que só mostrava os batimentos cardíacos. Era tão precário que precisávamos usar um relógio também, pois ele não marcava tempo.
E os aparelhos para ajudar os corredores, ciclistas, nadadores e triatletas foram surgindo, cada vez mais evoluídos. E depois vieram os GPS, que não somente medem a frequência cardíaca, mas também a velocidade/ritmo, distância etc. Os modelos mais modernos medem inclusive a oscilação vertical do corredor (uma estimativa da eficiência do atleta). Não posso deixar de citar os tocadores de MP3, que permitem que os corredores treinem escutando música e que conseguem armazenar até mesmo milhares de canções.
Aí me pergunto, será que essa tecnologia só traz benefícios? Geralmente esta coluna aborda assuntos de cunho científico e isso facilita chegarmos a algumas conclusões. No entanto, desta vez o tema é polêmico. Sem dúvida, há quem“ não consiga correr sem seu iPod e Garmim”, mas alguns atletas já confidenciaram que não gostam de ouvir música e que preferem confiar na experiência para manter os ritmos desejados/necessários em cada treino. Posso apenas expor aquilo que tenho como experiência ao longo de muitos anos como corredor e treinador.
a) Frequência cardíaca: é necessário controlar o tempo todo? Em se tratando de iniciantes e/ou portadores de alguma anomalia cardiovascular, sem dúvida. No entanto, atletas mais treinados podem prestar atenção em sinais mais importantes, como nível de cansaço no dia e percepção de esforço.
b) GPS: temos que marcar a distância exata e o ritmo para cada treino? O corpo não conhece distância. São os atletas que gostam de saber exatamente quantos quilômetros ou metros nadaram, pedalaram ou correram. Na verdade, o controle fisiológico adequado deve considerar a duração e a intensidade de uma sessão de treino. Por exemplo, um mesmo treino de 10 km pode corresponder a uma sessão de 50 min para um indivíduo, enquanto para outro será o equivalente a 1h10. Estamos falando de uma diferença de 40% em termos de carga de treino. E a intensidade que o corredor mais rápido terá imprimido será também diferente da- quela sustentada pelo mais lento.
Outro ponto a ser considerado é a relação de dependência que o uso crônico do GPS pode causar. Vários atletas já relataram terem ficado perdidos numa prova, pois a bateria do GPS acabou e eles não conseguiam manter o ritmo desejado por, justamente, não terem exercitado a percepção de esforço sem o uso da tecnologia. Isso significa que devemos descartar as tecnologias? Honesta- mente, não.
Há situações em que deveríamos entrar em sintonia com o nosso corpo, encontrando o ritmo e a sensação de esforço que o acompanha. Uma oportunidade para isso é quando há um percurso em que sabemos a distância. As pistas de atletismo são excelentes para esse fim. Porém, há horas em que queremos ouvir música e ao mesmo tempo correr. Não há problema, desde que também tenhamos o hábito de correr sem esse recurso e de “escutar o corpo”. O mesmo vale para o GPS. Um treino numa estrada de terra ou praia com o aparelho nos ajudará a ter uma ideia do ritmo e da distância por tratar-se de um local sem marcação por quilômetro. Fazer o uso de forma inteligente e com moderação, certa- mente, nos ajudará.