Por Marisa Sei
A etapa Open do CrossFit Games 2018 começou no dia 22 de fevereiro. A competição de CrossFit move milhares de praticantes no mundo todo — e nem é só atleta! Tem gente de todo o tipo: da adolescência à terceira idade, mulheres e homens, e, como já são termos conhecidos nesse mundo, do scale ao RX. Os crossfiteiros se inscrevem e aguardam ansiosamente pela competição, saibam eles fazer double under, toes to bar e muscle up, ou não. A divulgação do primeiro WOD, chamado de 18.1 (ano do campeonato + número do wod, ao todo são cinco) foi transmitida ao vivo pela página do facebook do CrossFit Games e teve mais de 1 milhão de visualizações.
O Open é composto de cinco workouts e é apenas a primeira fase para ser selecionado para o CrossFit Games, competição anual e mundial que busca encontrar o atleta com a melhor capacidade física do mundo. É de se imaginar que, portanto, quem chega até as finais são competidores profissionais. Em 2017, por exemplo, a vencedora foi a australiana Tia-Clair Toomey, que participou da Olimpíada Rio-2016. Entre os homens, o americano Mathew Fraser foi bicampeão e acumula dois vice-campeonatos. Os prêmios para os primeiros colocados chegam a 300 mil dólares, um valor ainda considerado bastante baixo quando comparado a outras modalidades esportivas, como o futebol. Mesmo com a quase impossibilidade de chegar a sentir o cheiro desse prêmio, o número de inscritos só cresce. Mas por quê? “O Open Games é uma base classificatória que poucos brasileiros têm chances de passar, pois o nível de dificuldade é muito grande. Porém, é uma forma de checar o nível e o condicionamento do praticante”, explica o coach Daniel Wayand, do Crossfit Crown Recreio, no Rio de Janeiro.
Destaque no Brasil
No meio de tanta gente que participa só pela diversão ou para tentar melhorar os resultados a cada ano, tem brasileiro que se destaca, sim! O maior nome brasileiro do Crossfit atualmente é Anderon Primo, 23, que venceu três vezes o TCB (Torneio Crossfit Brasil) e tem duas passagens pelos Regionals (2014 e 2016). “2018 começou cheio de oportunidades para mim. Tenho como objetivo principal entrar no CrossFit Games, que é o maior evento da nossa modalidade. Pretendo fazer um bom Open e Regionals para conseguir a minha vaga e, depois disso, o outro objetivo é ser tetracampeão brasileiro de Crossfit”, revela.
Mas a intenção de ser campeão surgiu só depois da paixão pelo esporte, que tinha sido incluso no dia a dia apenas como um treino complementar. O atleta participou do Open em 2014 sem grandes pretensões e acabou se surpreendendo com o resultado. “Crossfit apareceu na minha vida como uma forma de preparação física para o judô. Eu não estava tendo um bom ano nos tatames e optei pela modalidade como algo novo. Meu coach Júnior Carvalho trabalhava comigo na mesma equipe de rendimento e, por causa dele, iniciei as atividades físicas no CrossFit Bauru. Me apaixonei pelo esporte e virei atleta”.
Subir no pódio exige um esforço bem maior do que o dos praticantes amadores, é claro: são seis horas de treino por dia, divididas em duas sessões de três horas cada. “O Crossfit me ensinou a ser mais focado, mais centrado e cuidar mais do meu corpo. Como levamos nosso corpo ao limite em todos os treinos, preciso me recuperar da melhor forma possível para o próximo treino. Isso tudo inclui uma boa noite de sono, alimentação regrada e saudável e trabalho psicológico”, relata. A rotina puxada de treinos e o foco nos hábitos saudáveis conseguem ser mantidos pela vontade de competir. A participação dá o gás para continuar treinando, mas ser campeão dá a certeza de um trabalho bem feito. “A vitória conquistada antes mesmo de um campeonato. No campeonato você só reflete tudo aquilo que fez nos treinos. E é uma sensação incrível de orgulho e emoção, difícil descrever em palavras, mas com certeza é algo que te move e inspira a participar do próximo campeonato. Sempre buscando essa sensação”.
“Competir é tudo na vida de um atleta. Brinco que a parte chata são os treinos. A competição é nosso playground, nosso parque de diversões: é lá que tudo acontece, onde mostramos todo o resultado dos treinos. Vencer é consequência de um trabalho bem feito na preparação, nos treinos”. Anderon Primo, tricampeão TCB
Um empurrãozinho na evolução
Se você dispõe de pouco tempo para treinar diariamente, não tem um corpo definido como o dos atletas e nem sonha em chegar às finais, tudo bem: competir ainda é para você. Especialmente no Crossfit, já que existem diferentes campeonatos, divididos em vários níveis (como os torneios internos, em que só participam praticantes de um determinado box). “O Crossfit é um esporte, e não uma metodologia de treino. Assim, é natural a participação de todos, não só alunos, mas também coaches, dividindo-se em níveis de desafios, de acordo com os pré-requisitos de cada competição. Esse clima de competição ajuda o aluno a buscar novos desafios, testando seu desempenho e progresso”, diz o head coach Eduardo Mendes, sócio do A7 Crossfit (RJ).
No portal do CrossFit Games, por exemplo, quem participa do Open deve registrar seu score em cada workout realizado. Dessa forma, é possível comparar o resultado com o de outros atletas do mundo todo, subdividindo-os em categorias como faixa etária, sexo, nível e país. Os scores dos anos anteriores permanecem no ranking — e, talvez, a melhor parte seja comparar os próprios resultados, verificando o que melhorou de um ano para o outro. Neste ano só saíram pull ups adaptados e a carga não subiu? Não tem problema! Registre e continue treinando para obter melhores pontuações em 2019.
Contudo, todo esse clima de competição precisa ser saudável. Eduardo Mendes explica que é função dos coaches, professores e estagiários a manutenção desse clima. Estimular é necessário, mas também é preciso saber interceder, lembrando os alunos do verdadeiro propósito do Crossfit: a busca por uma melhor qualidade de vida. “Dessa forma, cria-se um estado de alegria, diversão e desafio constante”, destaca. O coach Daniel Wayand concorda que é isso o que move um número cada vez maior de crossfiteiros pelo mundo. “A diferença do Crossfit para outros exercícios é que ele é uma atividade com bastante dinamismo e que sempre tem algo desafiador e diferente para os alunos. Esse esporte cria uma sociabilização, pois as aulas são em grupo”.
Além da sensação de prazer após um wod que testa força e capacidade cardiorrespiratória ao mesmo tempo, competir pode fazer com que os participantes consigam realizar movimentos que jamais conseguiram nos treinos. Tudo culpa de hormônios como a adrenalina, que dá aquela forcinha extra para o corpo. Já durante os treinos, surge a vontade de melhorar as técnicas. “Uma das grandes vantagens do Crossfit está na adaptação dos movimentos, que permite cada praticante realizá-los de acordo com suas limitações, além de acompanhar todo seu processo de evolução. Você pode ser um aluno iniciante, veterano, ou mesmo um atleta de ponta: o desafio é diário”, reforça o coach Junior Cupello, sócio do A7 CrossFit.
Para quem ainda é iniciante, mas quer tentar o gostinho de uma competição, Anderon dá as dicas: “Prepare-se da melhor forma possível, teste as provas do campeonato antes do mesmo, trace estratégias realistas e busque sempre evoluir a sua técnica antes das suas cargas. Mantenha-se calmo, a competição não é muito diferente de um wod que você faz no seu box. Dê seu máximo e saia da arena com a sensação de dever cumprido. Alimente-se bem e divirta-se acima de tudo”.
Competição consigo mesmo
Esse clima saudável de competição gera uma vontade que só quem pratica, entende: a de vencer a si mesmo, ou seja, de ser melhor do que se era ontem. Para a empresária e praticante de CrossFit, Fabiana Miranda de Barros Braga, 41, o Open é um momento de testar tudo o que foi aprendido nos treinos, se desafiar e superar os limites. A motivação para tentar mostrar o seu melhor desempenho em 2018 foi saber que ela serve de exemplo para várias pessoas que treinam no mesmo box, o Crossfit Iron Fox, em Bauru (SP). “Meu esposo que fez a minha inscrição sem eu saber — confesso que eu não queria, mas ele disse pra eu acreditar mais em mim. Então ‘bora lá! Porque todos somos capazes!”, conta sorrindo.
É o segundo ano que a empresária experimenta a tal da adrenalina correndo nas veias. “Tem uma mistura de diversão e nervosismo, ansiedade, e você encontra na hora uma força que nem imaginava que tinha. Depois que acaba o WOD, respira com a sensação de ‘eu consegui!’. Sobre a competição, Fabiana destaca: “Comparo os resultados sempre comigo mesma”. Não é à toa que tanta gente apaixonada pela modalidade já deve ter ouvido de quem não pratica exercícios: “Você só sabe falar de CrossFit?”.
É para todos?
Apesar de já ser bastante conhecido, há quem tenha medo de se aventurar em uma aula de CrossFit. O fato de os exercícios parecerem pesados demais, de ser composto de movimentos difíceis e do estado que alguns praticantes ficam após os treinos são alguns motivos para causar receio. Mas os coaches garantem: todos os exercícios podem ser adaptados de acordo com a necessidade de cada aluno. E aí, só depende de cada um procurar um local de confiança, com profissionais capacitados. Para ter o direito de usar o nome “CrossFit”, que é uma marca, o box precisa se registrar e respeitar a algumas regras. “Para ser certificado, é necessário todo ano pagar uma quantia à marca e os coaches precisam fazer provas para atingir um grau profissional”, salienta Daniel. Basta um clique no site da CrossFit para ver que tem gente de todas as idades e preparos físicos se aventurando até nas subidas de corda.
Em 2014, o médico gastroenterologista e radiologista Marcelo Airis, 46 anos, resolveu começar a treinar no box da Crossfit Brasil, em São Paulo. “Optei por essa modalidade porque sou movido a desafios e esse era mais um que eu queria enfrentar; buscava algo novo para a minha vida e resolvi conhecer o Crossfit”, conta. Por causa de um acidente de moto, o médico ficou paraplégico e isso não foi motivo para desistir de praticar um exercício ou de achar que o Crossfit não era indicado para a sua situação. O box é totalmente adaptado para as necessidades dele, com acessibilidade e coaches capacitados para treinar pessoas com qualquer tipo de limitação. “Especificamente para mim, os benefícios são o desenvolvimento de mais força e resistência num período curto de tempo. Treino todos os dias, tem dias que chego a treinar duas vezes e nunca repetimos o mesmo treino. Além do Crossfit, pratico musculação e natação. O trabalho de hipertrofia feito na musculação me ajuda muito na execução dos exercícios no Crossfit”, afirma Marcelo.
Marcelo Airis completando o WOD “Helen”, um benchmark:
Assim como o médico, muita gente procura o esporte como algo novo, diferente da monotonia das academias de musculação. A maioria acaba ganhando outras vantagens, como novos amigos e um ambiente descontraído e animado, uma vez que as aulas são em grupo e os alunos aprendem a importância do incentivo e do respeito. “Meu treino é o mesmo dos demais alunos, inclusive, treino junto com eles, sem nenhuma restrição. Como sempre treinei, mesmo antes da minha lesão medular, sempre busquei qualidade de vida. Hoje, me dedico muito mais do que anteriormente, sempre focando no meu desenvolvimento e fortalecimento muscular”, comenta.
Um nível acima
Já faz um, dois anos que você ingressou no CrossFit e há meses o rendimento não melhora? A primeira dica é: paciência. Cada um tem seu próprio limite e alguns vão avançar mais rapidamente, outros não. A segunda é: tenha mais atenção com os seus hábitos. Treinar regularmente é fundamental, mas manter uma alimentação regrada também, ou o desempenho e a silhueta não vão mudar. Dormir bem, moderar no consumo de bebida alcoólica e buscar orientação nutricional são fatores importantes quando se quer avançar nos treinos. “Outra dica é registrar seus resultados diários, seu Personal Record, sejam eles nos levantamentos de pesos, na ginástica, nos exercícios metabólicos (corrida, remo, bike, etc.) ou, ainda, avaliando-se pessoas de qualquer parte do mundo, por meio de benchmarks, das Heroes, dos WODs criados pela CrossFit Inc. Tudo isso pode ser utilizado como parâmetro de desempenho em vista à elite do esporte”, recomenda Eduardo Mendes.
CrossFit + corrida
Os treinos são completos e trabalham diversas capacidades, como flexibilidade, força e resistência, mas eles também pode servir para melhorar o rendimento em outros esportes, como a corrida. “A base do CrossFit começa com a alimentação saudável, fundamental em qualquer esporte, e segue para a parte metabólica, grande foco da maioria dos corredores de média e longa distância. Reunimos isso aos movimentos ginásticos e a técnicas de levantamento de peso olímpico num trabalho de alta intensidade e volume constante, para atingirmos nossos objetivos, melhorarmos nosso condicionamento, aumentarmos a força e a explosão muscular, alçando, assim, uma grande melhora no desempenho”, afirma o coach Danilo Gentille, sócio do A7 CrossFit.