1984, Olimpíada de Los Angeles. O Brasil não passa da primeira fase no basquete masculino e já vinha de um discreto oitavo lugar no Mundial de 1982. Decepcionante para uma país com histórico de dois títulos mundiais (1959 e 1963) e três bronzes olímpicos (1948, 1960 e 1964). A situação exigiu renovação e o técnico Renato Brito Cunha deu lugar a Ary Vidal, que já havia treinado a seleção e conquistado o bronze no Mundial de 1978. Naquela mudança, o assistente técnico José Medalha foi mantido, a pedido do próprio Ary Vidal (na foto acima, no canto direito; ele faleceu em 2012). O novo treinador apostou em novos nomes, como o armador Cadum, e a mexida resultou no histórico ouro de 1987 no Pan-Americano, que completa 30 anos. Entrevistei esses dois personagens para trazer novos detalhes da façanha em Indianápolis. Confira!
Medalha: “Liderança e Oscar e Marcel foi fundamental”
“Daquele um resultado negativo, houve uma ansiedade por recuperação, já iniciada em 1986, com o quarto lugar no Mundial da Espanha, derrotando inclusive o time da casa, um dos favoritos”, comenta José Medalha, que foi responsável pelo processo de transição dos bastidores. “Estabeleci com Ary uma relação de confiança muito forte. Passei todas as informações da geração de 1982 a 1984 e ele resolveu então fazer uma renovação das lideranças de então (Marquinhos, Carioquinha, Adilson), mantendo como novos líderes Oscar e Marcel e reconvocando os mais novos da época”, relembra, citando Nilo (substituído depois por Cadum), Paulinho Villas Boas, Guerrinha, André Stoffel, Gérson, Silvio Malvezzi, Israel, Rolando, Maury e Pipoka, que compuseram o elenco que calou Indianápolis.
O padrão tático da equipe, focado no volume ofensivo, foi de fato influenciado pela nova regra da bola de três pontos, instituída em 1984. “O Ary sempre mencionava a sua crença de que a nova regra seria fundamental para os jogadores que tínhamos em mãos e que poderíamos surpreender, o que acabou acontecendo mesmo em 1987″, conta.
“Com novo comando, nova liderança e a mudanças nas regras, tivemos os ingredientes básicos para uma mudança de comportamento técnico-tático, com um padrão de jogo com muita velocidade e decisões rápidas com arremessos do perímetro de alta porcentagem”, descreve Medalha, lembrando também do treinamento físico intenso que deu suporte a esse ritmo de jogo de transição.
O protagonismo de Oscar e Marcel (35,6 e 26,7 pontos por partida, respectivamente) passou pelo carisma da dupla, segundo Medalha. “Havia igual consideração com os demais. Isso foi fundamental para que todos aceitassem essa liderança, avalizada pela comissão técnica, e também em razão do próprio nível técnico e da experiência de ambos, coadjuvados pelo Israel”, revela, lembrando que o trio vinha de algumas temporadas jogando no então forte basquete italiano.
Cadum: “Nosso objetivo era chegar na final”
Ricardo Cardoso Guimarães, o Cadum, tinha quase 28 anos na ocasião e já era um dos protagonistas do basquete brasileiro, como armador do Monte Líbano. Mas andava esquecido na seleção até Ary Vidal assumir o posto. “Eu estava voltando à seleção naquele ano, depois de dois anos ausente”, lembra.
A preparação, segundo o camisa 9 daquele time, foi intensa, comandada pelo preparador físico Valdir Barbanti. “Ele foi fundamental para que chegássemos voando naquele Pan-Americano. Treinamos por três meses e na reta final ficamos na cidade de Houston e fizemos amistosos contra equipes fortes daquela região”, conta, destacando que a equipe queria sim chegar longe, mas não pensava no ouro. “Nosso objetivo era chegar na final, já que a medalha de ouro já tinha dono. A possibilidade do ouro surgiu quando faltava um minuto e trinta segundos para acabar aquele jogo!”, recorda, aos risos.
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Cadum dividiu a responsabilidade de armar a equipe com os colegas Guerrinha e Maury. “Mas o Maury, por conta do sarampo que contraiu na primeira semana, ficou fora da rotação. Fui titular até a semifinal e, na final, ele optou por começar com o Guerrinha, talvez devido ao fato de eu ser um armador alto e os armadores americanos serem todos baixos. Mas acabamos dividindo o tempo naquele jogo, já que pelo menos um dos dois estava na quadra. Eu joguei 25 minutos e o Guerrinha jogou 15 minutos naquela final. Sempre nos demos muito bem dentro e fora da quadra”, destaca.
Ele e Guerrinha tiveram a responsabilidade de municiar Marcel e Oscar, mas pondera que a bola nas mãos dos protagonistas era consequência. “Não havia esse tipo de orientação de passar a bola para o Marcel e Oscar. Nosso jogo era de velocidade e de fazer a bola chegar rápido no ataque, com decisões rápidas. Naturalmente a bola ia nas mãos dos dois arremessadores do time. Era uma coisa muito natural”, diz o armador, que anotou oito pontos na final e teve média de 6,7 pontos no Pan.
Sobre a controvérsia da suposta “herança maldita” dos chutes de três que muitos críticos impuseram a sua geração — e diante do sucesso de times como o Golden State Warriors nesse estilo atualmente —, Cadum acredita sim que a seleção de 1987 foi uma equipe à frente de seu tempo. “O jogo de basquete está muito mais interessante de se assistir hoje em dia e acho que contribuímos sim para que esse tipo de jogo fosse difundido. Mas lembre-se: faz 30 anos daquela partida. Nesse tempo todo, as críticas foram imensamente maiores que os elogios. Mas o importante é ter a consciência que fizemos o que poderíamos ter feito com o potencial humano que tínhamos naquele time. Todos os elogios e críticas que recebemos nesses anos todos, nos faz sentir que fizemos alguma coisa bem importante. Mais que tudo, nós nos sentimos vencedores”, cravou.